quarta-feira, 10 de agosto de 2022

“A mulher da casa abandonada”: uma síntese sobre jornalismo e sociedade

Para além do produto jornalístico, o objeto de sua atenção escancara a nossa miséria enquanto humanidade

De tempos em tempos, o jornalismo é capaz de parir uma produção que, para o bem ou para o mal, mobiliza as pessoas, gera discussões acaloradas e, no limite, leva-nos a uma reflexão sobre a sociedade que ele próprio tenta retratar e os artifícios técnicos e deontológicos de que ele dispõe para tal ofício. A bola da vez é “A mulher da casa abandonada”, uma reportagem (ou seria um documentário?) em áudio produzida pela Folha de S. Paulo, em uma série com sete episódios, tendo no repórter Francisco Felitti o seu maior artífice. 

Em resumo, o material coloca no centro da sua abordagem Margarida Bonetti, indiciada no Estados Unidos por manter uma empregada doméstica brasileira sob condições análogas à escravidão durante quase duas décadas, que só escapou da condenação e da prisão por fugir para o Brasil. Margarida é a mulher da casa abandonada, que, como se nota, não é tão abandonada assim. Por trás de uma mansão decadente de um dos bairros mais ricos de São Paulo, há um passado que vai sendo desvendado em cada um dos sete episódios do podcast.

Sob o ponto de vista técnico, parece-me que o podcast explora os recursos que a mídia sonora oferece: som ambiente (ruídos, burburinhos e animais), sonoras de pessoas que concedem entrevistas ou que representam vozes captadas (mais adiante, falaremos de alguns deslizes da produção), trilha inserida em momentos de destaque, tudo compondo a paisagem sonora, conceito que aprendi com o companheiro de UFMT, Luãn Chagas, a quem respeitosamente peço licença para falar de um flanco do jornalismo sobre o qual acumulo reduzido conhecimento.

Se o jornalismo produzido apenas com sons precisa fidelizar o público com aquilo que ele ouve, o repertório apresentado pela produção não prescindiu nem do silêncio, uma relevância aparentemente contraditória para uma mídia cuja razão da própria existência é a marola, não a mansidão. 

Neste aspecto, entre todas as credenciais exploradas pela reportagem, a impertinência técnica mais gritante foi aplicar a uma história de gravidade elevada (e não em poucas oportunidades o conteúdo faz menção a isso), em momentos específicos, uma trilha sonora que remetia o ouvinte a um outro teor, mais exótico, folclórico, especialmente quando a linguagem falada (pelo repórter e pelas fontes) se referia a espíritos e assombrações. Não há nada de sobrenatural na escravidão. Aliás, na pele de quem a sofre, é a mais real agressão - física e moral - a que alguém é submetido.

Ainda no aparato técnico da produção, é necessário fazer um destaque positivo ao texto, com evidentes características literárias: descrição (de espaços, objetos e pessoas), períodos curtos (por vezes, uma ou duas palavras), uso de adjetivos, elaboração de juízos de valor, linguagem simples, nariz de cera (quando a narrativa, típica da literatura, não vai ao ponto logo de cara, como fazem as notícias) e digressão (o movimento de sair do tempo presente e ir ao contexto histórico para dar o entendimento mais robusto à informação abordada).

O roteiro (sim, o podcast é um documentário em áudio!) é outro ponto de relevo. A forma como se organizam as sonoras (não em ordem cronológica de captação) e a própria narração do repórter (também de maneira a fragmentar as informações que estão sendo passadas, ainda que ele as detenha em sua totalidade quando ouvimos os primeiros episódios) também é um movimento notável. 

Com evidência, falamos aqui de um formato híbrido, tal como já o produziram, em mídia impressa, jornalistas da envergadura de Euclides da Cunha, Eliane Brum, Caco Barcellos, Lira Neto, Mário Magalhães, Truman Capote, Norman Mailer, John Hersey, Gay Talese, entre tantos outros. O documentário audiovisual, de alguma maneira, caminha aí também. O brasileiro Eduardo Coutinho o fez como poucos.

Truman Capote, repórter da revista "The New Yorker", teve em "A Sangue Frio" uma de suas obras mais célebres.
Fonte: Letras In.Verso e Re.Verso

Não por outra razão, o roteiro tem importância majorada em uma produção desta estirpe. Faz com que ouçamos uma história de não ficção como se fosse um romance. Faz com que enxerguemos as pessoas entrevistadas como personagens, não como fontes. Faz com que olhemos o fato como um enredo, manipulável em tempo e espaço, e não um acontecimento, cujos desdobramentos se impõem aos observadores.

Mas é preciso reconhecer, de igual modo, que os elementos literários da narrativa dão ao conteúdo jornalístico o interesse humano que a linguagem (função referencial) e a estrutura (lide e pirâmide invertida) do jornalismo de puro-sangue não são capazes de oferecer. A imersão provocada por um roteiro bem construído viabiliza às pessoas vivenciarem o acontecimento em todas as suas nuances - boas ou ruins, trágicas ou regozijantes, contentadoras ou tristes.

Na apuração jornalística, etapa da produção do conteúdo que converge técnica, epistemologia e ética, ressaltam-se alguns vetores: [i] parte deles forjada pela academia, como as reflexões acerca do fazer jornalístico; [ii] uma fração dependente do acaso, como encontrar, por sorte, a dona da casa sobre a qual havia a intenção de falar; e [iii] uma porção final relativa ao tino do profissional, na capacidade que o repórter teve de converter o comentário em um site de arquitetura no ponto de partida para uma excelente matéria.

No decorrer da caminhada, o empenho em consultar fontes documentais é destacável: processos, leis ou conteúdos noticiosos televisivos e impressos. A busca por fontes pessoais também compõe a sua base de informações: Margarida Bonetti, a mulher da casa abandonada; a pessoa escravizada por quase 20 anos em outro país; pessoas do entorno da casa (porteiro, taxista, zelador, moradora, segurança); Vicky Schneider, a mulher que criou as condições para que a situação análoga à escravidão terminasse e houvesse a investigação do FBI, jurista, cientista, dois procuradores, um integrante da Organização Interncional do Trabalho (OIT), além da tentativa de falar com Renê Bonetti, o marido de Margarida, condenado a mais de seis anos de prisão pelos crimes cometidos contra a empregada doméstica brasileira.

No entanto, os méritos do podcast (que são muitos, como se vê) não podem escamotear algumas deficiências no âmbito da deontologia do Jornalismo. O nosso ofício carrega consigo um corolário de princípios, sem os quais o trabalho resvala no utilitarismo ou no pragmatismo, cujos motes são a maximização da felicidade e o vale-tudo para se atingir um objetivo (os fins justificam os meios), respectivamente. 

A deontologia, ao contrário, constitui-se em uma conduta intencionalista, segundo a qual as consequências, fora do escopo de controle de quem atua, não podem se sobrepor aos deveres (princípios). Ela pressupõe o “dever ser”, lógica ética que invoca os imperativos categóricos da concepção kantiana de filosofia moral, de sorte que a atuação da imprensa não se faz valer atrelada aos efeitos, às consequências, à audiência do conteúdo que se noticia, mas às premissas, como interesse público, verdade factual, relevância, transparência, independência, entre outros, que são invioláveis, praticadas à revelia do desejo do cidadão ou do próprio profissional. 

Neste caso, portanto, falamos em erros de procedimentos, que só acontecem porque a ambiência ética, que é uma instância a priori, foi corrompida: as pessoas que falavam, ainda no primeiro episódio, na farmácia de Higienópolis tinham ciência de que estavam sendo gravadas? Elas autorizaram a veiculação de suas vozes e falas? Margarida Bonetti sabia que a sua voz estava sendo captada para além do momento da entrevista? A ela foi dada ciência de que os contatos telefônicos com o jornalista foram gravados?

Em nome da informação, não pode haver uma espécie de “excludente de ilicitude”, dado que o repórter, assim como tantos outros, estará em outras pautas logo adiante. Que garantia uma pessoa comum passa a ter de que, no contato com um jornalista (qualquer que seja), as suas manifestações não estão sendo registradas sem que a ela seja dada ciência disso? 

Veja como há aqui uma camada de corporativismo às avessas do que comumente ocorre: o desvio de um colega de trabalho pode macular, de modo preventivo, o trabalho dos seus pares. O jornalismo é permeado por relações de confiança: do repórter em relação ao editor (e vice-versa), do repórter em relação à fonte (e vice-versa), do público em relação ao repórter. Se ocorre um ruído, uma hesitação, em qualquer um desses elos, o nosso ofício fica comprometido.

Ao mesmo tempo, é importante destacar, em diálogo com a legislação, que o sigilo da fonte foi resguardado às pessoas que não quiseram se identificar, desde aquelas que não revelaram o seu sobrenome, até as fontes totalmente ocultas, como uma das partes envolvidas na herança e a pessoa que foi submetida a condições análogas à escravidão. O jornalismo está bastante desguarnecido do ponto de vista normativo, especialmente a partir do momento em que caiu a exigência do diploma para o exercício da profissão, em 2009. No entanto, o sigilo da fonte é garantido pelo texto constitucional, em seu Artigo 5º, inciso XIV: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

A informação em off (off the record) tem virtudes e defeitos: se, por um lado, ela dá conforto à fonte para revelar uma informação sensível, movimento que não faria se ela estivesse identificada, por outro o procedimento fragiliza o jornalista, na medida em que o ônus da informação publicada recai sobre si, correndo o risco de que a fonte, de forma segura, pode usar o repórter para plantar uma informação (factoide) que lhe convém. Neste meandro, a nossa atuação está mais fragilizada, mas é necessário reconhecer que o escândalo de Watergate, uma das maiores e melhores coberturas jornalísticas da história, só foi possível graças ao “garganta profunda”, a fonte que desenhou o caminho para que Woodward e Bernstein chegassem a Nixon.

Carl Bernstein (à esquerda) e Bob Woodward, jornalistas do "The Washington Post", cujo trabalho culminou na renúncia de Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos, em 1974.
Fonte: O Globo

Por fim, há que se destacar que a fonte tem o direito de decidir se o seu nome será ou não vinculado à informação, e é dever do jornalista respeitar o posicionamento daquela pessoa que lhe concedeu o depoimento. Mas não é do escopo da fonte deliberar sobre a publicação ou não do conteúdo final, etapa da produção jornalística que cabe ao repórter, ao editor, à chefia de redação e à direção de jornalismo. A fonte não possui expertise sobre o ofício, cabendo a decisão aos operadores dos critérios de noticiabilidade e dos valores-notícia.

“A mulher da casa abandonada” é mais uma produção jornalística, que, como praticamente todas as demais, é portadora de aspectos positivos e negativos, sobre os quais o conhecimento científico e o senso comum irão debater por algum tempo, até que outra pauta chame a atenção de todo mundo, tornando a anterior descartável. Até que outra pauta desperte a curiosidade mórbida do público para se sentir parte de um fato via Instagram ou Tik Tok, desconsiderando o drama que é saber da existência de novas formas de escravidão após 134 anos de abolição.

Isso, sim, é relevante, não apenas porque desnuda um passado perverso, de quase 400 anos, mas também porque descortina o submundo da nossa elite econômica. Durante muito tempo, barões e marqueses se beneficiaram dos títulos recebidos para se enriquecerem às custas do Estado, o que de alguma maneira nos permite entender a apropriação de espaços públicos, privatizando-os, enfiando cancelas em ruas, transformando bairros em condomínios. É a derrota do coletivo, da cidadania, em prol do individualismo.

Mas não para aí. A empregada doméstica (como a própria reportagem pontua: quase sempre uma mulher pobre e negra), calcada no tripé gênero-pobreza-negritude, torna-se uma propriedade dos patrões, a ponto de se impor uma desumanização sobre a outra pessoa. Ela não precisa ter uma família (e, por isso, o “quarto de empregada” nos imóveis aristocratas); ela não precisa de janela (já que uma empregada não tem direito ao mundo exterior, não dando a ela também a possibilidade da projeção onírica de uma vida melhor e trancafiando-a numa realidade sem tempo, sem céu, sem vento); ela não precisa saber ler e escrever (porque é próprio das coisas o iletramento); ela não precisa de atendimento à saúde (a não ser que isso interfira na realização do trabalho); ela não precisa se alimentar, tomar banho, pois tudo é um privilégio do que não é objeto. 

De um jeito ou de outro, uma mansão aparentemente abandonada não deixa de simbolizar a decadência. A sujeira, o mau cheiro, o excesso de insetos, o lixo dão a dimensão de que há ocasiões em que nem a aparência, a perfumaria, escapam à imoralidade. Mas tudo isso é insuficiente, a ponto de uma mulher morar em uma mansão, importunar em moralismos e hipocrisia agentes públicos, como se o seu passado oferecesse as credenciais de uma pessoa ilibada. Em suma, a cara da riqueza.

A função do jornalismo, neste caso, não é outra, senão a palavra de ordem escrita por Brecht: arrancar a cortina que nos oculta isto e aquilo. Nem que para isso a imprensa tenha que se deparar com uma falha aqui e ali - e nenhum profissional está isento disso. Nem que para isso nós tenhamos que olhar para as nossas inexploradas entranhas, já denunciadas por Drummond, e encarar os demônios que ainda hão de ser exorcizados. A história do Brasil, mais pontualmente sobre como maltratamos as minorias, precisa ser passada a limpo.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

“DEUS ACIMA DE TUDO, BRASIL ACIMA DE TODOS” ENCARNA A SUA CARICATURA MAIS GROTESCA

O fiasco retumbante que é Jair Bolsonaro vai saltando aos olhos (dos que querem enxergar) da pior forma possível: são 691 mil casos de Covid-19 e 36 mil vidas perdidas, cifras bastante subnotificadas – e, desde sábado, também omitidas. Em tempos de crise, a incompetência de quem precisa tomar decisões importantes fica mais evidente. Porque se para resolver um problema desse tamanho é necessário pensar, quem tem inteligência diminuta sucumbe tristemente. Até Donald Trump, para quem o presidente brasileiro abana o rabo sem pestanejar, já denunciou.

Incapaz de encontrar uma solução sanitária e econômica ao país, o senhor que nos governa faz da política um palco de encenações e chacotas. De quebra, confraterniza com manifestações antidemocráticas em surtos de exibicionismos dominicais. Como se não bastasse tudo isso e fora o banditismo na conta das infrações e negociatas sucessivas, o presidente decidiu atrasar a divulgação diária dos números do coronavírus, além de omitir o acumulado de casos e mortes. Com já é sabido: a censura é a antessala do autoritarismo. Essa gente é assim: sem um plano de enfrentamento à pior epidemia do último século, o podre poder acanalhado opta por torturar as estatísticas, fazendo de conta que o problema é menor do que é. Ocultar cadáveres é método rotineiro de milicianos, com os quais, certamente, um presidente da República não se senta à mesa.

Mas nos grupos do zap (ou “O fantástico mundo dos bolsominions”, se você preferir), a Covid-19 não passa de uma conspiração comunista para dominar o mundo, os caixões estão vazios ou cheios de pedra, a cloroquina previne e cura, o isolamento social é um complô dos governadores e da Globo para prejudicar o “mito” e o isolamento apenas dos grupos de risco resolve a “gripezinha”. O expediente, assim como nas eleições, segue o mesmo: fake news a rodo, agora sob financiamento de dinheiro público, cuja finalidade, além de tornar a realidade difusa e fracionar a sociedade, é resolver de forma simplista problemas demasiadamente complexos. Tenha certeza: se as narrativas falaciosas que circulam por aí já polarizou a sociedade brasileira em temas subjacentes ao coronavírus, o novo antagonismo virá em torno dos números. O submundo dos aplicativos de mensagem e os emporcalhados algoritmos das redes sociais empacotam ilusões e servem, de bandeja, a narrativa que se deseja ler, que afaga os olhos, mas que não condiz com o mundo concreto.

Ao contrário do que diz Bolsonaro, morrer de Covid-19 não é o destino de ninguém. O atual momento desnuda uma gravidade ainda mais chocante: a negligência, outrora amiga do atual governo, deu lugar à sabotagem pura e simples. Deslocar recursos do Bolsa Família para turbinar a propaganda governista, atrasar o auxílio emergencial, manter ociosos hospitais federais e não usar todo o fundo destinado ao combate à Covid-19 são sinais de que a política pública em curso agora, sem qualquer pudor, é a morte.

sábado, 28 de março de 2020

Regendo rupturas: a lógica da comunicação bolsonarista que fraciona o país

A sensação que dominou o final de semana anterior e perdurou até a última terça-feira (24) era de que havia, em uníssono, uma mobilização no país para respeitar o "isolamento horizontal" (só os serviços essenciais funcionam). O governo brasileiro chegou a declarar "estado de calamidade pública" (ainda em vigência) e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, revelou que o Sistema Único de Saúde (SUS) poderia colapsar em abril e a curva de infecção do coronavírus só começaria a declinar em setembro. Como há muito tempo não se via, foi possível detectar um consenso entre os brasileiros. Durou pouco.

A mudança de rumo em parte da opinião pública veio após o pronunciamento, em cadeia nacional de rádio e TV, do presidente Jair Bolsonaro. A tônica da fala priorizou a economia em detrimento da saúde pública e, uma vez mais, minimizou a pandemia de Covid-19. De quebra, orientou a população a voltar à normalidade, com exceção dos idosos, fazendo coro a uma estratégia conhecida como "isolamento vertical" (apenas as pessoas do grupo de risco se isolam), comprovadamente mal sucedida.


"É tudo apenas histeria e conspiração", na fala atribuída ao presidente brasileiro. No rodapé, "Aplausos para Bolsonaro". A charge foi publicada no jornal alemão Stuttgarter Zeitung.
[Fonte: www.quintacapa.com.br]
Desde quarta-feira (25), portanto, vê-se uma fissura no país: de um lado, muita gente que aderiu à sinalização do presidente; e, de outro, uma multidão que compreende que o isolamento horizontal é a alternativa mais segura para evitar situações como as vividas por China e Itália. Reino Unido, Espanha e Estados Unidos, que haviam aderido ao isolamento vertical em nome da proteção à economia, já reveem seus posicionamentos. O ponto onde nos encontramos: enquanto o presidente brasileiro alimenta uma narrativa, o governo, oficialmente, preserva outra, algo que tem gerado uma série de incompreensões, em efeito cascata, nos estados e municípios.

Entendendo o movimento de Bolsonaro de contrariar o próprio governo
Já está bastante manjado que a arena que satisfaz o presidente é aquela em que o "circo pega fogo". Esse é o ambiente predileto de Bolsonaro, uma vez que nas tomadas de decisões, na ambiência em que se exige racionalidade e capacidade de pensamento, ele falha clamorosamente. Mais fácil, pois, fazer o que se viu na última terça-feira (24): tripudiar à base de uma narrativa irresponsável e que só desinforma a população, para adoçar os podres poderes que o conduziram à Presidência da República: com o rabo preso a uma parte do empresariado e aos megaempreendimentos religiosos, resta ao país a nulidade.


"Enquanto os homens exercem seus podres poderes/Morrer e matar de fome, de raiva e de sede/São tantas vezes gestos naturais", canta Caetano em "Podres poderes"
[Fonte: www.youtube.com]

Ao bolsonarismo não fica outra alternativa, a não ser criar as condições para o confronto. Foi assim que este movimento nasceu e não existe uma segunda forma de sobrevivência, se não for pela cisão. É na sociedade fraturada, recorrendo a todo momento à máxima do "nós contra eles", que a lógica comunicacional de Steve Bannon impera: criam-se dois lados - e não mais do que isso -, pois é o modo mais fácil de dominar um deles. Bingo! Os que vangloriam o presidente estão sob a sua tutela, anestesiados por um maniqueísmo puramente imaginário. 

No Brasil, a operação desse esquema de comunicação cabe àquilo que se conhece pelo nome de "Gabinete do Ódio", de onde se disparam fake news, cujos objetivos são assassinar reputações dos que não dançam conforme a música e esgarçar cada vez mais a polarização. O sistema rigidamente articulado encontra seus tentáculos em grupos de WhatsApp e impulsionamentos de mensagens em redes sociais, como Facebook e Twitter. Eis o expediente que tem conflagrado o país, inclusive em tempos de pandemia, justamente a ocasião que pede união em vez de ruptura.


Circulou no Facebook, na última quarta-feira (25), esta comparação entre o surto de H1N1, durante o governo Lula, e Covid-19. Embora os números sejam fieis às respectivas realidades, o paralelo não procede por duas razões: 1] os mais de 58 mil casos de H1N1 foram registrados durante um ano e meio de contágio. O surto de coronavírus, pela data da mensagem, tinha menos de um mês; e 2] a letalidade da Covid-19 é superior à da Gripe Suína.
[Fonte: Agência Lupa]
A razão da  polarização passa pelo vetor da distopia. O território das redes sociais tem um mérito e um vício: a vantagem é que a produção de conteúdo descentralizou das mídias tradicionais, permitindo uma ampliação na circulação de mensagens por meio de múltiplas vozes. Por outro lado, a quantidade de informações desencontradas e que não condizem com a realidade também aumentou. 

Naturalmente, em um ambiente de informações conflitantes, cria-se uma confusão na mente do internauta, que, na realidade veloz da internet, desgarra-se da realidade e investe em um empreendimento calcado na fé: como não há tempo hábil para verificar o que é certo e errado, escolhe-se uma das vias, aquela que corrobora conceitos já sedimentados. O desenho da realidade deixa de ser um retrato fiel do que acontece no mundo da vida, passando a ser uma criação sustentada em dados e ocorrências falsas. Está criada a bolha, uma espécie de realidade paralela que põe em regozijo não o mundo como ele é, mas aquele que mais lhe apetece. 


A charge de Flávio Luiz faz referência a uma cena do filme "O grande ditador",
no qual Charles Chaplin interpreta Hitler
[Fonte: www.quintacapa.com.br]
A prova disso é que as narrativas que circulam nas redes sociais desde a última quarta (25), dia seguinte ao pronunciamento do presidente, trazem termos muito semelhantes aos vistos nas eleições de 2018: Lula, PT, esquerda, comunismo. É como se a única resposta às críticas a Bolsonaro tivesse um padrão, porcamente cabível no período de disputa eleitoral. Agora, não. O mesmo protocolo foi mantido depois da vitória de Jair Bolsonaro no pleito, durante os 15 meses do seu mandato: extrai-se da imprensa, do congresso nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) os seus papeis no funcionamento da democracia, preservando Bolsonaro em uma espécie de redoma imaculada. O modus operandi, o tempo todo, é esse.


[Fonte: www.quintacapa.com.br]
O problema da vocação autoritária
Em tempos de democracia frágil, as tentações autoritárias alçam voos. E o pior: com a anuência de quem se beneficiaria de uma democracia fortalecida e consolidada: o povo. É incompatível com o arranjo democrático a adoração à personalidade, a veneração à figura política, seja ela de qualquer espectro ideológico. 

Em democracia, é o político que afaga o seu povo, não o contrário. O movimento de catapultar representações políticas à categoria de "mito" é típico das tiranias, dos regimes totalitários, que veem no seu representante o refúgio de "salvador da pátria". Para infelicidade brasileira, a história tem um cardápio vasto de exemplos dessa natureza. Triste trajeto este que o Brasil perfaz.


[Fonte: www.quintacapa.com.br]

terça-feira, 24 de março de 2020

Entre gente e números, fique com a vida

Se o principal alicerce da economia capitalista é o trabalho, é justo que haja uma preocupação em protegê-lo, especialmente em tempos de crise. E se o trabalho pressupõe a relação entre empregador e empregado, há que se resguardar ambos em período de retração econômica. Assim, já que o emprego é o ponto convergente entre quem concede o campo de trabalho e quem o ocupa, vendendo a sua mão de obra em troca de remuneração, o papel do Estado, na conjuntura atual, é mitigar os danos às partes envolvidas, dando prioridade ao lado mais frágil: o empregado.

O que fez, então, o governo brasileiro? No último domingo (22), na calada da noite, expediu Medida Provisória, que soluciona parte do problema e cria um abacaxi enorme para o lado mais frágil, o do trabalhador. Isto é, na contramão do que fazem outras nações, como Estados Unidos, China e Alemanha, que mobilizam ações para preservar o emprego, e não só o empregador. Razão pela qual o governo foi alvo de questionamentos por parte de diversos segmentos da sociedade civil, em especial relativo ao Artigo 18 da MP 927, motivando um recuo do presidente Jair Bolsonaro. Entendamos por quê.

"Tira isso daí porque estou apanhando muito", disse Bolsonaro a Guedes
[Fonte: www.exame.abril.com.br]
Na prática, como se não bastassem os mais de 40 milhões de trabalhadores na informalidade, arremessados para fora da seguridade social, o governo fragiliza o empregado registrado. Preservar o emprego é condição importante para a retomada econômica posterior à Covid-19. Mas retirar do trabalhador, já em situação de vulnerabilidade, as condições elementares durante a crise cheira à maldade com requintes de crueldade. Trocando em miúdos, a MP da dupla Bolsonaro/Guedes, sob o ponto de vista econômico, é burra. No âmbito social, uma perversidade sem tamanho. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, classificou como "trapalhada", "um erro na redação". Não se deixe enganar: se a medida é dura aos mais pobres, há ali uma perversa pretensão. Vide o socorro do Banco Central (Bacen) aos bancos, um ato de generosidade escasseada à arraia miúda. O próprio presidente, dando sucessivas mostras de dificuldade de liderar a sua equipe e o país, primeiro recorreu ao velho recurso de desacreditar as narrativas contrárias, apontando uma alternativa que não estava expressa no texto da MP 927. Horas depois, recuou. Abaixo, a reprodução das duas postagens de Bolsonaro no Twitter, já na manhã de segunda-feira (23).

Retórica do presidente não guarda relação com o texto da MP.
No Estado Democrático de Direito, vale o que está escrito, não o que governantes dizem.

Quase quatro horas depois de defender a MP,
Bolsonaro suspende o artigo mais agressivo à classe trabalhadora.
Segundo a Medida Provisória, o Art. 18 previa a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, extinguindo-se a remuneração. Em troca, o governo propunha que o empregador concedesse ao funcionário "curso ou programa de qualificação profissional não presencial" (caput). Em cenário de contaminação em massa, é provável que uma videoaula não seja exatamente o melhor remédio. 

A MP é repleta de outras incongruências e regida por uma filosofia que, de forma acachapante, já se mostrou fraudulenta: "empregado e empregador poderão celebrar acordo individual" (Art. 2º). Se a relação entre ambos é assimétrica, a ideia de acordo mascara a letra fria do texto, consagrando o óbvio: em uma assimetria, não há acordos. Outras aberrações ainda contemplam [1] alteração em ritos em segurança e saúde no trabalho e no recolhimento do FGTS (Art. 3º) e [2] brecha para que empregado contaminado pelo coronavírus seja demitido (Art. 29). Essas distorções precisam ser corrigidas pelo congresso nacional. 

Entre os erros do governo na condução do país durante a pandemia de coronavírus, o mais grave é preterir os pobres em nome de uma minoria que, sabidamente, apoia o presidente e o receituário neoliberal por razões óbvias. No DNA de Bolsonaro e de sua equipe de governo, há o gene da insensibilidade e de uma hedionda incapacidade de se colocar no lugar de quem sofre, não entendendo (ou se fazendo de bobo) que as benesses de pertencer a uma casta seleta é privilégio apenas da fina flor da canalha. 

quarta-feira, 18 de março de 2020

Um país sem governo em tempos de crise

Foi-se o tempo em que as falas evasivas, as narrativas forjadas e flambadas na mentira despudorada e o alerta ao inimigo imaginário davam conta da sede de riso. O apelo ao ridículo, aos subterfúgios toscos e às frases de mau gosto - quando não ofensivas a mulheres, homossexuais e negros -, já desgastado, agrada bem menos que outrora. Venerar ideias tortas como terraplanismo, vilipendiar a educação, vomitar impropérios contra a cultura e desdenhar do meio ambiente só afagam a sanha dos fanáticos, que, por natureza, não têm a menor noção do que seja o processo político e a sua manifestação mais louvável, a democracia. Os cães raivosos ainda ladram, é verdade, mas vão minguando. O extremismo temperado no ódio tem prazo de validade curto: a conta começa a chegar. Não adianta espernear: quem tem credenciais de miliciano jamais será estadista.

A encalacrada em que nos metemos ainda viverá os seus dias mais tristes. Sim, o pior está por vir, e o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que despontava até ontem (17) como a fagulha de lucidez em meio a um bando de idiotas - cujo chefe dispensa apresentações -, já declinou. O único integrante do governo que valoriza a capacidade de pensar parece ter se rendido às frituras promovidas pelo "gabinete do ódio", um antro de disseminação de fake news que não perdoa os que fogem do script. A depender do presidente, criatura destemperada, despreparada e corrupta, o Brasil estará em maus lençóis. Façamos nós o trabalho que as lideranças se recusam a cumprir e evitemos enviesar a discussão: a Covid-19 não tem viés ideológico e acomete, indistintamente, liberais, conservadores e reacionários.

Não será fazendo arminha com as mãos, à base de conversa fiada ou com postura irresponsável, colocando em risco vidas alheias, que o Brasil irá superar o cenário preocupante imposto pelo coronavírus. Pode apostar: a bravata, o culto à ignorância e a retórica de "histerias" e "fantasias" não vão impedir que idosos sofram em demasia. As mortes já começam a surgir. É imperativo proteger as pessoas de idade. Rezar é ato bem-vindo aos que creem, mas, ante a gravidade da conjuntura, é preciso ir além.

Sem aptidão para manusear uma máscara,
Bolsonaro escancara o seu despreparo durante coletiva de imprensa concedida hoje (18)
[Fonte: Twitter]
Sugiro dois movimentos: inteligência e empatia. Empatia para ter a consciência, mesmo sem a opressão da lei, de que é importante evitar aglomerações, pois ainda que não apresentando sintomas do vírus, é possível portá-lo e transmiti-lo a outras pessoas, aquelas dos grupos de risco (idosos, hipertensos, diabéticos, asmáticos). Empatia também para ter muito cuidado, mas não pânico: estocar alimento e outros produtos em excesso só vai deixar ainda mais vulneráveis as pessoas em condições socioeconômicas desfavoráveis. Se o problema é coletivo, atos de individualismo tendem a aprofundar a crise.

O outro vetor é inteligência. Inteligência para pensar táticas e propor investimentos que mobilizem o nosso aparato científico e tecnológico a dar respostas à propagação do vírus. Inteligência, igualmente, para articular as universidades públicas, centros de pesquisa e agentes de saúde em torno de um projeto que preze por ações concretas, não sem antes reconhecer que o panorama é grave, mas possível de ser revertido. Não se enfrenta e vence um desafio dessa amplitude fomentando idiotices e discursos desconectados do drama humano que vivenciamos. Em contextos como o atual, a incapacidade de liderar salta aos olhos, posto que se comportar como um sujeito caricato é dramaticamente insuficiente em tempos de fragilidades.

Outras crises dessa natureza vieram e foram superadas. China, país populoso e epicentro inicial do vírus, e Taiwan, nação vizinha e de tamanho menor, por exemplo, vão tendo êxito. Não à toa: investimento maciço em recursos que confrontam o problema em âmbito local, algo que só pode ocorrer se, a priori, houver um corpo de pessoas - do governo e da sociedade civil - que esteja disposto a refletir acerca das alternativas para virar o jogo, e agir. Mas é necessário que alguém dê a bandeirada indicativa de um caminho, função esta reservada ao principal representante da nação, em que pese o fato da cadeira da Presidência da República ser ocupada por um arremedo de gente.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Sobre o orgulho de ser quilombola*

Escrito por Telegram**

Um cerrado com pequenas árvores tortas e folhas secas caídas ao chão. Uma imagem bela que representa tanta história de um povo sofrido que não deixou de lutar pelo seu território, que foi tomado por fazendeiros grandes, que tiraram eles de suas terras. Onde o solo tem sangue e suor de muitos descendentes que sofreram para manter seu lugar para seus futuros filhos e netos. Um cerrado onde têm vários climas e segredos que muitas vezes nem são revelados por ser um hábito guardar seus costumes dentro de seus terreiros, onde tem cultura maior de vivência de um povo que planta com alegria, mas, ainda no fundo, com aquele medo de sofrer tudo o que já passou. Orgulho de ser negro que vai à luta sem perder seus costumes e vivência de um povo feliz por estar em suas terras, de tempos que a fé era única solução para acabar com aquela angústia de dor e sofrimento. Sentados ao chão com armas em suas cabeças, único pensamento era rezar para o seu protetor, um Santo com muita bênção.

Para obter experiência transmídia e desfrutar de uma narrativa mais completa sobre o quilombo e seus problemas e virtudes, acesse a CANÇÃO DO ORGULHO QUILOMBOLA, música composta e cantada por professoras e moradoras de Mata Cavalo, disponibilizada no Anchor.

*A crônica, composta por uma estudante da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda no quilombo Mata Cavalo, é resultado de um trabalho colaborativo entre a comunidade e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea).

** Em virtude do sigilo imposto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanidades), Telegram é codinome dado a uma das participantes da pesquisa de Doutorado [2016-2019] intitulada “Fenomenologia transmidiática: cartografando o clima em Mata Cavalo”, cuja autoria é de Thiago Cury Luiz, sob a orientação da Profa. Dra. Michèle Sato.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Rituais aos climas*

Escrito por Snapchat**

A vida que traz,
Vida que leva
Rituais bem feitos.

A esperança que, mais uma vez,
Nos traz com o que faremos,
Como faremos.

Aquele povo que mais uma vez acredita
Que faz sentido, que tudo acredita,
Que vê, e muito mais, ele sente,
Não mudou.

E a conexão com os rituais forma o que eles são,
Seja ele feito ao sol, à chuva, ao frio, à primavera.

A maior importância e o que deve ser feito se fez.

--> Para obter experiência transmídia e desfrutar de uma narrativa mais completa sobre o quilombo e seus problemas e virtudes, acesse o perfil no Instagram [@thiago_c_luiz] e veja a galeria de fotos sobre a ÁGUA. <--

*O poema, composto por uma estudante da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda no quilombo Mata Cavalo, é resultado de um trabalho colaborativo entre a comunidade e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea).

** Em virtude do sigilo imposto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanidades), Snapchat é codinome dado a uma das participantes da pesquisa de Doutorado [2016-2019] intitulada “Fenomenologia transmidiática: cartografando o clima em Mata Cavalo”, cuja autoria é de Thiago Cury Luiz, sob a orientação da Profa. Dra. Michèle Sato.

O clima é nossa inspiração*

Escrito por Twitter** e Michèle Sato

AR – aquele que respiro.
Principal em minha vida,
Mexe minha alma,
Equilibra meu corpo.

Dá vida a todo ser vivo,
Canta na água,
Pinta na terra,
Dança no fogo,
Emoldura no ar.

Aquele transparente,
Que faz as asas baterem,
Os cabelos levantarem,
Com força e com delicadeza.

Aquele responsável
Pelo equilíbrio dos corpos
Em movimento e repouso.

Aquele que faz todos viverem,
Mas que nem todos conseguem ver.

O clima e os fenômenos
Exigem cuidados,
Sem desmatamento da natureza,
Sem poluição das águas,
Sem destruição dos humanos.

Vamos cuidar da Terra,
Contra os dragões do vento,
Nas brisas da esperança.

--> Para obter experiência transmídia e desfrutar de uma narrativa mais completa sobre o quilombo e seus problemas e virtudes, veja o vídeo do pôr-do-sol de Mata Cavalo, com o som dos insetos ao fundo, disponibilizado no YouTube. <--

*O poema, composto por uma estudante da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda no quilombo Mata Cavalo, em parceria com a Profa. Dra. Michèle Sato, é resultado de um trabalho colaborativo entre a comunidade e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea).

** Em virtude do sigilo imposto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanidades), Twitter é codinome dado a uma das participantes da pesquisa de Doutorado [2016-2019] intitulada “Fenomenologia transmidiática: cartografando o clima em Mata Cavalo”, cuja autoria é de Thiago Cury Luiz, sob a orientação da Profa. Dra. Michèle Sato.

Carta ao GPEA*

Escrito por Twitter**

Assim como esse vento da vida pode bater em mim por meio de pétalas lindas, ele trouxe para mim amizades vivas e inesquecíveis.

É engraçado como as coisas acontecem: pessoas que jamais imaginava conhecer fizeram em mim flores brotar e crescer.

Pessoas incríveis, que me transmitiram essas sensações com sorrisos, abraços, fotografias, poesias, músicas, palavras e olhares... e CLIMA!

Obrigada vocês, pessoas lindas, por trazerem um colorido novo em minha vida.

--> Para obter experiência transmídia e desfrutar de uma narrativa mais completa sobre o quilombo e seus problemas e virtudes, ouça os bichos do quilombo Mata Cavalo, áudio disponibilizado no Anchor. <--

--> Outra experiência possível ocorre acessando o perfil no Instagram [@thiago_c_luiz], na galeria de fotos sobre a AR. <--

*O áudio captado por uma estudante da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda no quilombo Mata Cavalo é resultado de um trabalho colaborativo entre a comunidade e o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea).

** Em virtude do sigilo imposto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanidades), Twitter é codinome dado a uma das participantes da pesquisa de Doutorado [2016-2019] intitulada “Fenomenologia transmidiática: cartografando o clima em Mata Cavalo”, cuja autoria é de Thiago Cury Luiz, sob a orientação da Profa. Dra. Michèle Sato.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Messi e CR7: a interminável discussão sobre quem é o melhor


Ao longo da história, é muito comum aparecer um ou outro jogador que é catapultado a melhor do mundo, quiçá a melhor de todos os tempos. Em geral, em épocas distintas: Pelé e Maradona representam bem a disputa, sem que existam elementos em comum para rivalizá-los. Como se não bastassem os argumentos de ambos os lados, temos um Brasil x Argentina que sempre desperta grandes discussões.

Agora, não. Os dois jogadores que dominam o futebol do planeta há dez anos pertencem à mesma geração. Cristiano Ronaldo tem 33 anos e Messi, 31. Um joga no Real Madri, o outro, no Barcelona, as duas principais equipes do mundo. Ambos praticam futebol sob as mesmas condições táticas, físicas e instrumentais (gramados em situação idêntica, a mesma excelência no material esportivo – chuteiras e uniformes de alta tecnologia). Portanto, há uma tendência que praticamente nos obriga a botar um acima do outro.

De partida, parece-me injusto comparar os dois com base nos títulos que conquistaram. Os troféus são êxitos de equipes, não de jogadores, ainda que um e outro tenham sido fundamentais nos respectivos triunfos madridistas e barcelonistas. O fato de Cristiano ter uma Eurocopa e Messi não ter conquistado a Copa América só prova uma coisa: Portugal tem obtido melhores desempenhos e resultados do que a Argentina. Nada a mais que isso. O máximo que podemos fazer é identificar qual foi mais decisivo nas conquistas de seus respectivos clubes. Sinceramente, não consigo distinguir ambos neste quesito, uma vez que Messi parece ter sido mais fundamental às conquistas do Barcelona até um certo momento da carreira, mais precisamente 2015, enquanto Cristiano Ronaldo o faz desde então.

[Fonte: www.soccerinfomania.com]
Analisando cada um, comecemos com Cristiano. Ainda que com um início de carreira promissor, já despontando como bom atleta na seleção portuguesa e no Sporting, com menos de 18 anos, ninguém apostava que o gajo fosse virar o jogador que virou. A mudança de patamar ocorreu em 2009, quando decidiu sair da Inglaterra e atuar na capital espanhola, embora àquela altura CR7 já ostentasse um troféu de melhor jogador do mundo conquistado um ano antes defendendo o Manchester United. Ao se deparar rotineiramente com Messi, estando no maior rival do Barcelona, o português foi desafiado – e se desafiou – a aprimorar o seu jogo. O egocentrismo do português recebe bem os desafios que se apresentam.

Costumo dizer que se Cristiano não tivesse mudado de ares ou não comprasse a disputa com Messi, correria sérios riscos de ser um jogador que chamasse a atenção por atributos fora da alçada do jogo propriamente, algo muito próximo do que foi, por exemplo, David Beckham. Cristiano se propôs a superar limites, enquanto o inglês atuou pelo estrelato puro e simples. Cada um faz as escolhas que lhe parecem mais convenientes, de modo que é só olhar à distância a carreira de ambos para concluir aquilo que se insinua como óbvio: o português já está na seleta lista dos melhores da modalidade. Beckham já se perdeu na história.

Cristiano marca o segundo gol do Real contra o Barça na final da Supercopa da Espanha 2017
[Vídeo: Youtube]

A excelência do futebol de Cristiano proveio de muito esforço. Como já dito, até certo ponto da carreira o gajo era mais firula do que beleza, era mais marketing do que jogo. Os treinamentos excessivos e o perfeccionismo de quase todo egocêntrico fizeram dele o jogador mais completo que vi jogar: chuta bem com os dois pés, é exímio cabeceador, tem ótimos domínio e passe. Em suma, domina como ninguém os principais fundamentos do jogo. O grande mérito de Cristiano não é ter cinco prêmios de melhor do mundo – com grande chance de conquistar o sexto em outubro – sem que alguém supusesse isso. A virtude do português é se colocar na mais nobre disputa do futebol, sem que se pudesse prever tal feito.

Já Messi tem outras peculiaridades. Enquanto o jogo de Cristiano é baseado na velocidade e na força, tornando o seu repertório previsível, os movimentos de Messi são surpreendentes. Trata-se de um futebol mais vistoso, plástico, genial. Ou seja, o argentino é mais talento que treino, de modo que a atuação de Messi é baseada no insight, no improviso, e por isso é encantador vê-lo em campo. Surpreende o amante do futebol a todo momento.

Messi abre o placar na final da Copa do Rei, em 2015, contra o Athletic Bilbao
[Vídeo: Youtube]

A dinâmica do seu jogo concatena virtudes dos grandes jogadores da história: alta velocidade, controle da bola muito próxima ao pé em movimentos progressivos, a ponto de cada passo (curto) da corrida representar um toque na bola. Outro fator que potencializa a capacidade do argentino: Messi inverte a direção da corrida com facilidade impressionante, o que torna ainda mais difícil a tarefa de alguém abortar a sua jogada.

Como o futebol é modalidade esportiva coletiva, seria injusto atribuir só a Messi o sucesso do seu jogo. O melhor momento da sua carreira veio com o técnico Pep Guardiola, entre 2008 e 2012, hoje treinador do Manchester City. Na véspera de um duelo com o Real Madri, já de noite, Guardiola ligou para Messi. O telefonema era para informar ao craque que o Barcelona jogaria aquela partida sem centroavante, dando ao argentino a função que ficou conhecida como “falso 9”. Nesta posição, Messi atuaria de forma centralizada entre os volantes e os zagueiros adversários. O resto é história: em pleno Santiago Bernabeu, o Barcelona enfiou 6x2 no Real Madri, em maio de 2009, com atuação estupenda do argentino.

Real 2x6 Barça: o jogo que mudou o patamar de Messi e estabeleceu novos parâmetros no futebol, graças a Guardiola
[Vídeo: Youtube]

Depõe contra Messi, especialmente no atual momento, que ele dá mostras de que já atingiu o auge, e agora passa pela trajetória descendente da carreira, ao contrário de Cristiano, que, justamente aos 33 anos, vive o seu melhor momento. Raro no histórico dos jogadores de futebol, uma vez que já considerada idade tardia.

O problema das comparações entre Messi e Cristiano é que, invariavelmente, os defensores de um julgam necessário desmerecer o outro. É a mesma mania do liberal que diminui Marx, assim como parte da esquerda o faz com Adam Smith. O bom senso recomenda botar ambos no panteão dos grandes pensadores, de sorte que preferir um a outro está mais ligado à identificação do que a critérios objetivos.

A discussão majoritária entre quem ama futebol é o velho maniqueísmo de um ou outro. Como se não fosse possível entender que ambos são brilhantes, e baita honra a nossa ter a possibilidade de ver os dois a todo momento. Talvez quando Messi e Cristiano encerrarem suas carreiras e a gente fizer o exercício de olhar para trás, haverá mais requisitos à nossa disposição para um comparativo menos injusto. Ainda assim, se a dúvida pairar e alguém entender que a minha opinião é importante, direi aquilo que já afirmei quatro anos atrás: regozije-se a Messi.