sábado, 6 de abril de 2013

É PRUDENTE NÃO PERDER O FOCO

Me preocupa quando as discussões perdem o foco. Joga-se fora uma boa chance de se discutir, verdadeiramente, um problema, e as soluções e o entendimento de tudo ficam mais distantes. É aí que o senso comum parece dominar as ações, e o discurso igual vira uma peça de dominó caindo sobre outra, sem parar. O mesmo é dito, repetido, e a nossa acomodação tem o hábito de aceitar o que já está posto por um grande número de pessoas.

Quando se fala em estupro, é o que acontece. A conversa sobre o assunto sempre descamba para o aborto, ao invés de se voltar ao estuprador. A atuação é em cima do efeito, quando deveria ser, primeiro, sobre a causa. O problema do estupro não é se a vítima deve ter ou não o direito a retirar o feto, indesejado e concebido da forma violenta que foi. A preocupação capital nessa questão é criar mecanismos para que uma outra mulher não venha a sofrer isso e o culpado de ação tão desprezível seja punido.

Cena do ótimo Irreversível, filme de Gaspar Noé

Não tenho uma opinião definitiva sobre em que situação o aborto deva ou não ser legalizado, mas o fato é que, perante um caso de estupro, interromper a gestação não resolve nem metade dos problemas da mulher atacada. Em grande parte, os transtornos são de ordem psicológica. Hoje, eu cravo que se deve lançar mão de sacrificar a vida em gestação apenas em casos de riscos à mãe. Anencefalia, talvez.

Pela lógica, voltando ao estupro, já que aquele descendente surgiu de forma tão abominável – por intermédio de ato sexual não consentido –, que se providencie uma pílula do dia seguinte à vítima, em até três dias posteriores ao ato. Não deixa de ser um aborto, mas uma medida bem menos agressiva ao feto e, principalmente, à mulher.

No caso da última semana, ocorrido no Rio, o problema da gravidez, secundário nessa questão, se resolve rápido, evitando a hipótese do aborto. Essa deve ser a última medida, ao invés da primeira. Isso tudo sem pensar no viés religioso, mas sim no humano, no que concebemos como menos acintoso. Preocupar-se mais com a interrupção da gravidez do que com o estupro em si é, mesmo que indiretamente, ser conivente com o ato. O aborto não exclui o que a mulher sofreu.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

ARQUIBANCADAS VAZIAS: eu temo pelo futebol brasileiro

Sobre o clássico paulista de domingo, o que mais chamou a atenção não foi a vitória corintiana, de virada, em cima do São Paulo, pela 16ª rodada do Campeonato Paulista. Em um torneio insosso, qualquer resultado não mudaria – como não mudou – em nada a ordem das coisas, a não ser o fato de, finalmente, termos presenciado um clássico interessante. E não falemos de arbitragem, pois os três gols foram legítimos.

Fora isso, o jogo mostrou o que são os dois times: o São Paulo, além de possuir um bom elenco, busca ainda a melhor forma de jogar sem Lucas, e é um problema e tanto ainda não ter encontrado ou encaixado o novo jeito de atuar. Ney Franco demorou a perceber que o 4-2-3-1 só era forte com o agora jogador do PSG. Custou a ver que Aloísio não tinha a habilidade e a técnica de Lucas, e a saída não parece ser outra, senão jogar com Ganso ao lado do eficiente Jadson.

O Corinthians é incrivelmente sólido: não pôs a marcação ‘lá em cima’, mas quando era atacado em seu campo, marcava intensamente e com cobertura. É um time sincronizado, tanto para impor seu jogo, assim como quando é agredido. As linhas são aproximadas e a bola não se desloca uma enormidade de um pé a outro, prova de que cada jogador se auxilia em campo. Não é à toa que venceu o que venceu em 2012 e pode – por que não? – repetir a dose este ano.

O que mais despertou curiosidade – e pessimismo – foi o público de pouco mais de 20 mil pessoas no Morumbi, mesmo o torcedor já tendo ideia de que os dois clubes entrariam em campo com o que tinham de melhor. Era jogo para, no mínino 40 mil pessoas. Não deu isso, muito em função da torcida são-paulina. Vamos a alguns fatores que podem ser a causa do esvaziamento dos nossos estádios, não só no último domingo, não só em São Paulo.


Os ingressos estão absurdamente caros para a qualidade de jogadores e jogos que temos. Em suma, é muito caro para pouca coisa. Por exemplo, no jogo entre Remo e Flamengo, pela Copa do Brasil, o ingresso mais barato para o confronto no Estádio Mangueirão, em Belém, vale R$ 50. Nem Flamengo e muito menos Remo valem tanto. Há um descompasso entre o produto que temos e o produto que os dirigentes acham que temos. É preocupante.

Disso, podemos tirar duas conclusões: ou nossos cartolas são incompetentes, ou eles não dão a mínima para a receita que podem obter com estádios mais cheios, considerando como fontes válidas somente o patrocínio máster e, especialmente, a verba da TV, que paga – e muito! – para transmitir os jogos com exclusividade (a Globo paga, desde 2012, por ano, mais de 75 milhões de reais ao Flamengo; quase 73 mi ao Corinthians; pouco mais de 56 milhões ao São Paulo, só para se ter uma base – FONTE: http://f5.folha.uol.com.br/televisao/1047975-globo-paga-r-500-mi-a-times-e-flamengo-ganha-mais-veja-lista.shtml).

Além de jogos fracos e, com isso, chatos, os clubes parecem querer que nós também nos comportemos de acordo com o jogo. Pois no dia 28 de fevereiro, tive a prova cabal disso. Eu estava no Morumbi naquele dia, no setor térreo, e fui obrigado a presenciar uma cena lamentável: ao nos levantarmos, atentamente, para acompanhar, com a emoção devida, uma cobrança de falta de Rogério Ceni, eu e mais alguns dali fomos surpreendidos por alguns caras que, vestidos com coletes que os identificavam como orientadores, pediam para que a gente não ficasse em pé: “Vamos sentar, pessoal!”.

Há algum tempo, era inacreditável imaginar que alguém diria uma frase dessas num estádio de futebol. Hoje, nem tanto. Parece haver pouca diferença entre estádios – o correto agora é arena, sim? – e óperas, teatros ou salas de cinema. As manifestações de todos os tipos, que dão mais sentido ao jogo de bola, estão em extinção. Torçamos – será que vão nos deixar? – pelas resistências Brasil afora.


O outro fator, eu presenciei no mesmo jogo, mas não é uma máxima. Da Avenida Paulista até o Morumbi foram, de carro, mais de duas horas. Pelo valor que paguei (R$ 88) e pelo jogo que vi (abaixo da média), pegar um trânsito moroso no caminho ao estádio não é lá das coisas mais estimulantes. O cara pensa muito para ir a um jogo depois disso.

Mas, mais do que a demora para se chegar ao local do jogo e tudo o que envolve a peregrinação do torcedor ao estádio, o que mais conta nessa história toda é o comodismo que impregna o fã de futebol. É mais fácil ver o jogo da TV, do sofá, numa mesa de bar, embora à emoção do gol in loco poucas experiências na vida se comparam. O torcedor não vê atrativos para ver o time de perto, a não ser em decisões (a única exceção à regra talvez seja o corintiano), e, ao mesmo tempo, gostou da ideia de assistir às partidas em casa, com segurança, sem transtornos, quase sem gastos.

Uma forma de motivar o cidadão a ir ao jogo é mexendo no trânsito em dias de jogos, escoando melhor o público num determinado horário, além de transporte coletivo decente, não só em dia de evento esportivo. Outra maneira é destinar setores com ingressos mais baixos, para que não se intensifique o processo de elitização por que passa o nosso futebol. Para as classes mais carentes, o futebol é o único entretenimento de que dispõem. Mais policiamento na rua - e não dentro do estádio - para dar ao público a sensação de que não sofrerá com a violência. E temos, ainda, o projeto do sócio-torcedor, posto na ordem do dia pelo São Paulo, lá na década de 90, mas que, hoje, só o rival de Itaquera sabe explorar: preferência e descontos na compra de ingressos para associados e zero transtorno para adquirir o bilhete, tudo via internet.

As imagens panorâmicas dos estádios são feias e os gritos não têm a força de antes. O velho futebol parece sucumbir ao desejo de alguns poucos que querem ganhar dinheiro às custas da bola, mas não conseguem notar que é muito melhor fazer tudo o que desejam, empenhando-se em propiciar arquibancadas cheias. O torcedor, ao invés de reivindicar isso, não percebe que mesmo um jogo interessante perde o charme sem ele lá, a empurrar, chorar ou vibrar com o time à beira da derrota ou prestes a vencer.