quinta-feira, 29 de agosto de 2013

NATUREZA ANTROPÓFAGA: por que a gente transa às escondidas

Se alguém te pedir pra fazer uma lista com as cinco coisas de que você mais gosta, certamente o sexo estará entre elas. Possivelmente, ele se encontrará nas três primeiras. É muito provável que encabece a relação. Exceto ao mais imaculado dos corpos, é inegável que a experiência sexual é a perdição da carne, a prova cabal de que o espírito se rende à matéria. E tudo seria mais triste se de outra forma fosse.

O sexo, que no princípio da existência humana (ainda completamente primitiva e selvagem) era usado pelo homem – e só por ele – para saciar uma necessidade, passou a ser usado para perpetuar a espécie, fruto do desenvolvimento da inteligência do homo sapiens. Só depois, o homem entendeu que era também direito da mulher sentir prazer. Nada mais justo, então, dizer que a posição de 4 é antecessora do papai e mamãe.

Mas por que algo tão bom às duas partes – incluindo aí, claro, as relações homossexuais – é ao mesmo tempo excessivamente profano? Em que momento da história o ser humano convencionou que o sexo deveria ser às escondidas, ao contrário do beijo e do abraço? Não defendo a ideia de socializar a relação, com o ato na rua, à base de ingresso cobrado junto à plateia voyeur. Mas o fato é que, num dado momento, acordou-se que o sexo deveria ser de âmbito íntimo.


A própria mentalidade de perpetuar a espécie e, como conseqüência disso, constituir família pode ter contribuído para se enclausurar o sexo. É como se transar às escondidas passasse a preservar moralmente um ato que, agora, não é mais uma forma de desafogo das excitações, mas o sustentáculo de um projeto de vida que prevê continuidade. A casualidade era propensa ao publicismo. O compromisso parece inibir.

Um outro peso em favor da blindagem da ação sexual pode ter sido a religião. O motivo é simples: as convenções morais, que normalmente se calcam nos dogmas de fé, são impiedosos com a mulher. Razão pela qual a obrigatoriedade de se casar virgem, de não abandonar o macho que a agride, de não poder trabalhar, estudar, votar, de ser obrigada a se contentar com a traição do marido era – ou ainda é – da mulher.

Aos olhos da tradição judaico-cristã, o sexo virou algo profano a partir de Eva. No jardim do Éden, foi ela a dar o fruto proibido ao “ingênuo” Adão, e se, até pouco tempo atrás, os dedos recriminavam a mulher, foi por causa disso. A ideologia machista, legalizada pelas Escrituras (especialmente no Velho Testamento), obteve tamanho poder, que não foi incomum num passado recente ver mulheres julgando uma semelhante sua.


Em momento posterior, já na Era Cristã, Jesus foi descrito como casto, aquele que se dedicou exclusivamente à causa. Como se alguém ao seu lado fosse se configurar em um empecilho, a atrapalhar a consumação da profecia. Se o nazareno tivesse se relacionado com Madalena – hipótese levantada por quem contesta passagens da Bíblia –, o sexo certamente seria visto, hoje, como algo menos proibido e pecaminoso. E, convenhamos, não botaria em xeque, um milímetro sequer, a base da cristandade.

Se a referência for o Islamismo, tudo é ainda mais severo. De novo, a figura da mulher é central, e ela é resguardada excessivamente pelas regras rígidas (que, muitas deles, não são arbitradas por Deus ou Alá, mas sim pelos homens de má fé). As roupas, que cobrem o corpo todo, provam que a mulher detém uma liberdade física menor que o homem, a ponto de ser apedrejada – voltamos ao que de pior havia no passado? – em caso de traição ao marido. Na possibilidade inversa, o homem é preservado.


Na mitologia grega, o mesmo. Outra vez, a mulher como figura inferior ao homem. Pandora, a primeira mulher, mandada por Zeus como forma de punição à desobediência do homem, portava consigo uma caixa. No objeto, somente coisas boas, que deveriam ser ofertadas ao mundo apenas depois da ordem suprema. Incapaz de esperar, a curiosidade fez com que ela abrisse a caixa, soltando ao léu o que de pior poderia acometer a espécie humana.

A religião, mais por culpa dos homens que a interpretam, pode ter induzido o sexo à intimidade. A própria auto-censura, à que está submetida a consciência humana, também deve ter a sua parcela de culpa na escolha do ambiente fechado. Independente do fator histórico que tenha levado a transa para dentro de quatro paredes – ou do banco do carro estacionado em local isolado –, o melhor mesmo é fazer sem ninguém por perto. Qualquer intruso pode atrapalhar um dos poucos momentos que, a cada vez que é executado, concede uma sensação diversa, impagável, algo que oferta mais prazer a quem sente, e não àquele que vê.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O POVO NAS RUAS: a PM e o JN conheceram a força da democracia

O poder abomina o protesto. Na imensa maioria dos casos, há na manifestação um resquício de revolução, e a investida revolucionária tem como principal mote reverter o sistema vigente. Ou seja, quem está no topo da pirâmide é visto pelos “meros mortais” como a causa de boa parte dos males sociais. A melhora requer mudança.

Foi com vistas à manutenção do poder intocável que Portugal, no início do século XIX, criou a primeira polícia militar no Brasil (mais precisamente no Rio de Janeiro, um ano após a vinda da família real ao país), justamente para manter o que os poderosos chamam de “ordem”. A “ordem”, nesse e em diversos outros casos da nossa história, significa: “não aceitamos perder ou dividir o poder com o povo e, por isso, reprimimos qualquer movimento contrário a nós”.

A PM nasce para abafar as ondas de protestos contra a monarquia e o império, isto é, falamos aqui de um organismo que tem, em seu DNA, aversão às liberdades de todos os tipos. Mais tarde, a polícia fora acionada para frear os grupos contrários à escravidão. Quem exigia mudanças políticas, econômicas e sociais, estava contra o governo. E se o Estado sofre pressão, quem aparece para protegê-lo? A polícia, é claro.


O que a política e seus aparelhos de repressão tardam a compreender é que a liberdade de ir e vir é inerente ao ser humano, é como o combustível para a própria vida, é a necessidade encalacrada no instinto e na racionalidade, almejando sempre o benefício do indivíduo e da sua convivência com o mundo.

Avançando no tempo, chegamos a junho de 2013, o ano que já entrou para a história do país, porque o povo renasceu. Especificamente o dia 13, uma quinta-feira, mudou o destino das reivindicações. Mas não só. Outra instituição, além da PM, precisou rever seu modus operandi, pois saltou aos olhos a deformidade do seu trabalho: a imprensa.

Os que detêm a imprensa, especialmente a escrita e eletrônica de grande apelo, são magnatas do ramo da comunicação. Na maioria dos casos, não são proprietários de um canal de TV ou jornal, mas encampam monopólios e conglomerados, algo fruto da livre-iniciativa do capitalismo e da conivência corrupta de governos, além de ser, descaradamente, uma configuração nociva ao Estado Democrático de Direito.

Era de se esperar que o jornalismo dessa gente graúda não visse com bons olhos a invasão das ruas, as palavras de ordem, tudo aquilo que uma sociedade minimamente organizada e consciente necessita reiterar aos quatro cantos. O que a grande mídia não esperava é que ela, sempre intacta, seria alvo. Foi aí que Veja e principalmente a Globo sofreram.


Bonner precisou deixar de acompanhar a seleção brasileira na Copa das Confederações, legando o papel a Galvão, e retornou ao estúdio do JN para acudir Patrícia Poeta. A cobertura do telejornal no dia 14 foi histórica: nada de generalizar, nada de julgar todo o movimento como vandalismo, baderna, depredação. O jornalismo da Globo finalmente fizera aquilo que é dever da imprensa: cobrir os fatos como eles são e resguardar a sociedade, e não o poder, ora pois.

Quando decidiu pela mudança editorial, o JN admitiu algo muito elementar: “até ontem fizemos o jornalismo do patrão, o noticiário pertinente ao poder abastado. Agora que isso não passa despercebido pela população, é preciso fazer as coisas do modo correto”. A guinada ocorreu muito em função também da ação arbitrária e violenta da PM frente aos manifestantes. Era impossível concordar com tudo aquilo que aconteceu no dia 13.

Foi a partir daí que o jornalismo da emissora passou a aceitar o movimento, pois ele era “pacífico na sua grande maioria”. Curioso um protesto de tamanhas proporções mudar de quinta para sexta, como numa trama mágica. Na essência, o clamor das ruas sempre foi o mesmo, com o teor da não-violência. O que mudou, por força do povo – dono majoritário de qualquer emissora de rádio e TV –, foi a cobertura jornalística: não se tornou tendenciosa ao contrário, só ficou mais justa, equilibrada.


Os rebeldes – no sentido mais sadio que o termo possui – continuaram pacíficos e o grupo se fez maior. Aumentou, pois os jovens, que apanharam covardemente da PM (aquela que defende o Estado e não o povo, aquela que bate em professor nas reivindicações por melhores salários), foram auxiliados no dia seguinte pelos seus pares, culminando nas manifestações dos dias 17 e 24, dois dos momentos mais empolgantes da nossa história recente.

O poder emana do povo, e só dele. Mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro, será sempre o povo a dar as cartas. É fundamental que a PM e os brutamontes da imprensa entendam isso.