domingo, 31 de julho de 2016

A GOTA D’ÁGUA: eu e o “nunca mais”

Quando eu vim, só havia metade de mim. A outra, assim, respondeu ao chamado de Deus: “sim”. E tal como a gota da torneira, incessante, que faz barulho no copo cheio d’água, as duas palavras teimam em atormentar meu pensamento: “nunca mais...”, “nunca mais...”, “nunca mais!”. “Nunca mais” de tudo aquilo que fizemos aos montes e do que deixei pra depois, e não faremos.

Faltou o netinho, faltou assistir a uma aula minha, faltou conhecer o apartamento novo em que projetei expectativas de quando fosse me ver. Não deu. Faltou um beijo a mais, um “te amo” a mais, um olhar que deliberei desviar, protelando tudo para “a próxima vez”, na arrogância de achar que sempre haverá uma próxima vez. “Nunca mais!”.

Mas de tudo o que faz falta, um dói mais: o abraço que eu quis dar, mas resisti. A mais, agora, o lugar à mesa, no sofá, na varanda, no carro, o silêncio transbordante, ferida que machuca, saudade que aperta, vazio no peito incontido. "Nunca mais!".

A mulher que ia ao aeroporto se despedir de mim nunca mais irá encostar na grade e me acenar. A viagem dela, ao contrário das minhas, é sem volta. Quando eu voltar depois, e depois, e depois, ela não estará lá pra me sorrir com um abraço. “Nunca mais!”.

Quando ela foi, levou junto de si um preenchimento de mim. E o vazio, que em circunstâncias normais é nada e, por isso, desprezível, agora vira grandeza palpável e intimidadora, pois é tudo o que há em mim, algo a ocupar a existência de ponta a ponta, sem intervalos ou sossego. “Nunca mais!”.

[Foto: www.compranotamil.com.br]
O sofrimento é um direito, neste momento, do qual não abro mão. Remoer os arrependimentos, digerir a ausência, rememorar as vivências são lidas árduas, diárias e protocolares nesses tempos de introspecção. Com o olhar no lugar vago, porque só assim o pensamento e o inconsciente visitam a dor sem medo. “Nunca mais!”.

Ela, a dor, é tamanha, a ponto de se impor, a priori, sobre o tempo. Ele, habituado a passar depressa, se encolhe, tira o pé do acelerador, como se fosse intenção sua colocar quem sofre num moedor de carne que funciona em velocidade mínima. É imperativo ter paciência. O arranhão que fere a alma, definitivamente, não cicatriza de uma hora pra outra. “Nunca mais!”.

Nesses quase 20 dias, cabisbaixo, fui capaz de desejar o que escapa à razão: imaginei que, ao buscá-la nos espaços da casa que mais a identificavam, por um motivo extra-ordem, ela pudesse estar lá. Levantava a cabeça e... nada. “Nunca mais!”.

A mulher que deitou ao meu lado quando tive medo da escuridão noturna, que me vestiu pra ir à escola, que brigou comigo quando fiz arte, que vibrou junto de mim as minhas alegrias e que me ensinou que as tempestades da vida a gente enfrenta sem reclamar foi lá pra cima e virou estrela. Eu, que não sou bobo nem nada, nas noites de angústia e aborrecimento, vou olhar pro céu, escolher o brilho mais bonito e gritar em silêncio: mamãe. E vou pra cama dormir e sonhar, pra nunca mais, nunca mais, nunca mais te esquecer.