quinta-feira, 9 de março de 2017

Talvez o meu texto seja machista

Há alguns anos, eu não parabenizava as mulheres por julgar o 08/03 uma idiotice. O idiota era eu. Hoje, eu continuo a não dirigir à mulher o já batido “parabéns pelo seu dia”. A data está longe de ser uma tolice como eu mesmo julgava, mas a forma como o Dia Internacional da Mulher é encarado, de um modo geral, quase sempre resvala em afirmações do tipo “o que seria de nós sem vocês” ou nos inúmeros estereótipos desastrosos que Michel Temer conseguiu incluir ontem em menos de um minuto de fala. Deu saudade dos discursos de Dilma. Se fosse uma gafe – eufemismo que os preconceituosos dão para justificar suas discriminações –, já teria sido uma aparição desprezível. Mas não foi um deslize: aquele é o exato pensamento do “presidente”, lamentavelmente em concordância com uma imensidão de brasileiras e brasileiros.

Mas a data, em vez de servir para dar esmolas às mulheres e colocá-las no protagonismo que não se vê nos outros 364 dias do ano, é de muita reflexão e coragem – não só por parte da mulher, diga-se. Reflexão para entender as conquistas das últimas décadas, cenário que obriga o homem a se reinventar também. A mulher continua fazendo o que sempre fez, e nos espaços que passou a ocupar trouxe virtudes desconhecidas até então. Para quem pensou na “beleza” como melhor recurso oferecido pela mulher, um aviso: rosto ou corpo bonito não tem a menor importância no caldeirão de avanços que o mundo teve com a incursão da mulher aqui e ali. Lembremos: as melhorias não foram benevolências concedidas pelos homens. Vieram à custa de muita mulher na rua.

Logo, cabe ao homem fazer o mesmo: empenhar-se em melhorar os seus atributos nos espaços que agora divide – mesmo porque ganha um salário bem maior que a mulher no mercado de trabalho, ainda que em cargos similares –  e desempenhar obrigações que, hoje, não são mais exclusivas da mulher – ou não deveriam ser. Já passou da hora do homem dividir os afazeres domésticos, contribuir não só financeiramente para o bom andamento do lar, participar ativamente da educação dos filhos e, óbvio, entender que a roupa do dia, o lugar aonde ir, em companhia ou solitária, a hora de ir e vir, o que vai falar, beber e comer, o jeito de dançar, em que cama e com quem irá dormir são decisões que competem a ela, e a ninguém mais.

O incêndio na Triangle Shirtwaist Company, em 25 de março de 1911 (Nova Iorque/EUA), é um marco para as manifestações feministas no século XX. Foram 146 mortes, dentre elas 125 mulheres. A partir de então, foi comum ver protestos exigindo melhores condições de trabalho, redução da jornada diária, equiparação salarial e melhor tratamento no ambiente das fábricas. Porém, as primeiras mobilizações feministas nasceram no final do século XIX.
(Foto: Wikepédia)
Foi-se o tempo em que o homem saía para trabalhar e a esposa – sempre bela, recatada e do lar – ficava em casa providenciando as refeições, limpando a casa, lavando e passando roupa, cuidando dos filhos, à espera da volta triunfal do marido. É isso que Michel Temer ainda não entendeu (e possivelmente nunca entenderá). O mérito da mulher não está cravado no território doméstico. Está na autonomia de fazer o que bem entender de si mesma, algo que antes lhe era negligenciado pelos homens. Sem aceitarem a igualdade, apelam ao machismo, ancorados em mentalidades arcaicas que só servem para atentar contra direitos fundamentais.

E é por isso que o 08/03 é também dia de coragem. Coragem porque muita mulher é ridicularizada no trabalho, apanha em casa, é estuprada nas ruas. Coragem porque é senso comum não distinguir a morte de um homem da de uma mulher em casos de violência. A mulher, em larga porcentagem, é morta por ser mulher (o mesmo acontece com negros e homossexuais). Há uma diferença que precisa ser estabelecida, e não fazer isso é fomentar o preconceito.

Reflexão e coragem são exercícios de todas e todos. Parece-me que numa sociedade democrática e republicana, não cabe só à mulher lutar contra as opressões que lhe são impostas, a despeito de ser mais do que pertinente a sua liderança em um movimento dessa natureza. Defendo isso não por julgar a mulher incapaz de resistir isoladamente (tantas já fizeram isso um sem número de vezes), mas por entender que o homem é parte do todo, e seria muito cômodo simplesmente lavar as mãos diante de preconceito tão evidente. Entretanto, se alguma mulher um dia disser que não quer a minha militância ao lado dela, só me caberá acatar e torcer à distância para que ela triunfe.